sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Fonte da Esclavitud: uma gaivota em terra

Perguntámos pela Fonte Santa, mas é conhecida pela Esclavitud. Em cima dela ergueram uma imponente igreja.
A tradição imputa ao lugar dois acontecimentos milagrosos. Um deles tem a ver directamente com a fonte. Um camponês, labrego como por aqui se chamam, dirigia-se a Santiago e parou para beber. Não precisou seguir o caminho que traçara em busca de remédio para os seus males. Ali mesmo deixou o carro e os bois que o transportavam. Ganhara vida, expulsara a escravidão do Mal.
Parámos para uma fotografia, a da fonte, a da igreja. Talvez tenha uma significativa história. Mas estava encerrada, pelo que ficou apenas o recorte exterior. A surpresa da visita estava, porém para chegar. Sentados num banco de pedra junto ao muro que cerca o lugar, dois velhos. Um deles viu-nos fotografar uma lápida que está aposta na parede frontal do tempo. Marca que o tempo tem corroído, cobrindo-a com líquenes. Mas que ainda conserva a mensagem que transmite, a homenagem aos "caídos" durante a Guerra Civil espanhola. Enumeram-se ali os nomes dos mortos no campo nacionalista.


Assina, José António, Primo de Rivera. «Aquele ali é meu primo!», ouviu-se, a voz vinda do fundo. «Qual?», perguntei, baralhado com o Rivera ser Primo também. «Aquele, Eugénio Bahmonde». «Nome de Franco, repliquei», lembrando que o Caudillo se chamava Francisco Franco Bahmonde, nascido em Ferrol, Galicia também.
Foi o inicio de uma fantástica conversa. Era aquele o lugar do seu nascimento e aonde retornara, já jubilado. Em jovem, procurara trabalho, qualquer trabalho. No porto de Vigo, um navio cargueiro norueguês estava amarrado, à espera de hora. «Ó galego, tens trabalho para mim?» berrou ao que supunha ser um conterrâneo acostado à amurada. «Não sou galego mas italiano, sim precisamos de um marinheiro e de um camareiro». Assim foi, como camareiro e improvisadamente cozinheiro. 
Os olhos azuis brilhavam ao contar as suas andanças, de porto em porto: Xangai, Bangkok, Antuérpia. Conheceu tudo, do Canadá à Rússia, passando pelo Japão. Chegou ao Círculo Polar Ártico, onde o dia e a noite se alternam em eternidades. Um dia o café a ferver queimou-lhe as pernas, por pouco «com o devido respeito pela senhora não chegou às partes».


Marinheiro com um amor em cada porto, mudou a rota da conversa para umas ciclistas que ali cirandavam. «Venham, venham», chamou logo, solícito, o olho gordo, como se da sua escada de portaló. 
«A filha do comandante norueguês que teria por aí uns dezassete anos gostava de mim», confidenciara-nos uns momentos anos. E ele gostava de ser gostado. 
Chamava-se Jesus. Compreendi-o na sua apetência. Também ele, gaivota agora em terra, era filho de Deus. Amar não é pecado.