segunda-feira, 25 de julho de 2022

O palácio e o sucedâneo: memória do castelo


Passeio, manhã ainda, pelas ruas estreitas de Baiona, por onde Fialho de Almeida viandou. "Há um gesto de confiança e fraternidade; as lojecas, os ateliers de carpinteiro, os baixos onde as mulheres cosem e cantam, as tabernas onde, entre cheiros fermentados do vinho, vozes grossas falam sem embriaguez nem cólera", assim viu Fialho, em 1905. Hoje os baixos são quase todos "comedores", estreitos, muitos encerrados ainda, come-se tarde em Espanha.
Num largo, a surpresa de um grupo musical contemporâneo, juntando o ritmo de uma guitarra baixo eléctrica à toada ondulante de uma gaita de foles. Dir-se-ia celta, como, de facto, é.
Rumámos ao castelo, trepando para o alto da muralha. Aqui, local de guerra, reina uma paz paradoxal. A vegetação, a passarada e as gaivotas, ali em frente a quietude do mar. A edificação está no Monte do Boi, nome que os Reis Católicos em 1497 impuseram que fosse suprimido, passando a chamar-se ao local o Castelo de Monte Real, onde se edificou, entretanto um parador.
Não vi a pedra de armas da casa da Áustria, nem a biblioteca com os livros de Juan Elduayen Gorriti, engenheiro, cognominado "o benfeitor".  Fialho viu o que seria destruído no século  vinte, o palácio de Elduayen, hoje o tal parador. Não vimos, nós também,  o sucedâneo.

Glória maior e infâmia menor

A manhã começou por Baiona, vindos de Vigo, com passagem por Ramalhosa.
Ali arribou,  a 1 de Março de 1493, a Pinta, comandada por Martin Alonso Pinzón. 
Na breve enseada está uma réplica à exacta escala, da embarcação. 
Ensina pela sua pequenez, casca de nós a vencer a temerosa procela do Atlântico. 
A Pinta era uma das três caravelas da esquadra de Cristóvão Colombo.
A 12 de Outubro de 1942 o vigia do navio, Juan Rodrìguez Bermejo, conhecido, entre outros nomes, como Rodrigo de Triana ou Rodrigo Pèrez de Acevedo, avistou terra, pelas duas da madrugada. Terra que aos gritos anunciou seria a América, porque foi com esse nome que o florentino Américo Vespúcio a designou na sua carta de marear.
E foi a notícia do Novo Mundo que aqui chegou ao local onde o nosso acaso de ontem, o chegar tardio, nos levou esta manhã.
Estava prometido um jibão de seda e dez mil maravedìs para quem avistasse terra. Rodrigo, porém, nada receberia. O Almirante Colombo argumentava para tal -  e há quem duvide dessa verdade - que já quatro horas antes havia visto uma luzes "aunque fue cosa tan çerrada que non quiso affirmar que fuse terra".
Enfim, o desapontado vigia, desgosto, exilou-se na Berberia, no norte de África. A sua origem mourisca conduzi-o às suas raízes.
Ficou dele uma estátua em Seviha. Aqui este azulejo alusivo dá conta da glória maior, descontada uma possível infâmia menor.

Um viagem, uma companhia

Há muitos modos de ter companhia em viagem. Trouxe comigo os inevitáveis guias e os mapas, além de tudo quanto se pode encontrar no mundo virtual. Mas trouxe da biblioteca doméstica um Fialho de Almeida, que o cuidado de Lourdes Carita recuperou e o defunto jornal Independente editou em 2001, o livro de uma sua viagem à Galiza, por onde andamos.
Fialho visitara a Galiza em 1903, mas foi na viagem efectuada em 1905 que guardou em catorze cadernos as suas notas. O original está na Torre do Tombo, uma das cópias dactilografadas na Academia das:Ciências. 
Escritas com franqueza íntima, não poupa o verbo ácido nem a adjectivação de almocreve, o que traz à narrativa um ambiente de frescura picaresca e risonha.
Acordei pouco depois das quatro, como está a ser hábito conventual, e já estudei o capítulo inicial, o da entrada por Caminha e passeio de Tui a Vigo. Daqui a umas horas faremos o inverso. Entre mapas, guias e o Fialho, algo ajudará a ver o que se não veria. José Valentim Fialho de Almeida, esse mesmo, o dos "Gatos", livro que ficou lá pela estante. Morreu em 1911. Que importa? Revive agora connosco.

Chegar, retroceder, progredir

Chegámos ontem pela hora do jantar. Os planos de viagem tiveram de ser alterados, devido ao atraso na partida. Estava pensado vir por Tui e daí por Santa Tegra. 
Faremos isso amanhã, ainda que tendo que  retroceder. A vida não é, porém, necessariamente seguir-se em frente. Progride-se quando se recua.
Enfim, Vigo: uma longa descida a pé, vindos do hotel, rumo ao restaurante, a pensar no pior ao ter de regressar. Tudo aqui parece de quebra-costas.
A cidade, limpa, tranquila. O ar fresco, depois do pavoroso tempo tórrido destes dias, pelo que vimos na TV Galicia aqui também. 
Praça Compostela: uma feira de livros! A visitar assim que se jante!
Jantar: pimentitos Padrón para abrir. 'Unos pican, otros non". Aqui calhou-nos o "non". "Manipulam-nos para que se comam mais em busca dos picantes" ironizou o empregado do restaurante enquanto trazia o prato principal: paella,  naturalmente com "caña" para beber. Caña no sentido de cerveja, não de aguardente de cana de açúcar entenda-se, apesar do regresso ao hotel ter sido de táxi...
A feira dos livros, entretanto, "cerrada". Amanhã também é dia.

sábado, 23 de julho de 2022

Viagem pela maravilha


Uma viagem no terreno começa pela que outros fizeram: o roteiro dos lugares, o caminho da cultura, as veredas dos símbolos. 

Da Galiza mágica a descobrir a maravilha. Partida, amanhã.

domingo, 17 de maio de 2020

Cantar-te-ei, Galiza, na língua galega

Devo ao meu amigo Patrick Gerassi, amável correspondente, a lembrança. Em cada 17 de Maio comemora-se o aniversário da data de edição do livro Cantares Gallegos de Rosalía de Castro,  e com ele o Dia das Letras Galegas
Nesse dia do ano 1863, o marido da autora completava trinta anos e a obra surgiu como um presente íntimo. Hoje é um símbolo da língua que é a nossa comum, a dos portugueses. 
Fui à estante, há muito desactualizada, e trouxe à luz esta edição de 1999, coordenada por Ângelo Breda com o patrocínio, entre outros das Irmandades da Fala da Galiza e Portugal.
Aqui fica como lembrança e com ela o reviver deste meu espaço.

sábado, 18 de agosto de 2018

Todo o Portugal é galego

Comecei a ler, como amiúde faço, pelo meio, com surtidas às folhas do início, depois a percorrer na íntegra uma entrevista, concedida pelo autor, em 1932, ao Diário da Noite.
São dispersos, fruto de quarenta e sete anos de trabalho em prol da defesa do galaico-português.
Detenho-me demoradamente no que é o artigo mais extenso do conjunto. Prosa límpida, tema diversificado, narrativa solta como se em conversa. O título é tudo: A Galiza, o Galego e Portugal
Sublinho, como gosto, e há livros que não valem um risco, neste raro é o parágrafo em que não fica assinalado um excerto. 
Antes de vir aqui, seguia o amoroso esforço de reabilitação de Luiz Vaz de Camões, que numa desastrada estância do Canto IV dos seus Lusíadas pareceu pagar com ingratidão a origem galega, pondo na boca de Vasco da Gama o epíteto «sórdido galego», ante o que Manuel Rodrigues Lapa tudo faz para, inventariando exegetas, achar uma hermenêutica que reconstrua o vocábulo, salvando-o do pejorativo maior.
Mas foi a citação aí a Alexandre Herculano, por cuja grave probidade não posso ter maior apreço, fantasma hoje num tempo de fulgurante esquecimento e medíocre indiferença, que me dita estas linhas: todo o Portugal é galego, muitas vezes sem saber que o é.